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Ayahuasca: uma alternativa para a depressão?

Atualizado: 4 de set. de 2021




Por Dimitri Daldegan-Bueno, MS.



 

A ayahuasca é uma bebida psicodélica de origem amazônica que tem sido amplamente investigada no campo científico, em especial pelo seu potencial antidepressivo. Fora do campo científico, ela foi e continua sendo usada pelos povos da floresta amazônica há séculos para diversos fins, incluindo práticas curativas. Com o surgimento de religiões fundadas a partir do uso da ayahuasca em seus rituais, as chamadas religiões ayahuasqueiras, relatos de alívio de males a partir do uso da bebida ficaram cada vez mais comuns no contexto urbano; mas foi somente a partir da década de 90 que estudos científicos avaliando os potenciais terapêuticos da ayahuasca começaram a ser realizados de forma mais ampla e frequente.


Ayahuasca sendo preparada em um grande recipiente.

Preparo da ayahuasca, bebida psicodélica de origem amazônica.



Desde então, vários estudos científicos realizados com diversos métodos e populações alvo encontraram resultados positivos da ayahuasca em relação à depressão, por exemplo estudos pré-clínicos, observacionais e clínicos. Nos estudos pré-clínicos, ayahuasca ou algum de seus componentes isolados (ex., DMT) é administrada in vitro - fora de um organismo vivo (normalmente células ou órgãos em cultura celular) ou em animais experimentais. Estudos observacionais normalmente avaliam pessoas que usaram ayahuasca, geralmente em contextos onde o uso ocorre de forma espontânea, e comparam com pessoas com características semelhantes (ex., idade, sexo) que não consomem a bebida. Nos estudos clínicos, a ayahuasca é administrada para pessoas com diagnóstico de depressão e os sintomas são avaliados após, para verificar se houve algum efeito.


Apesar da quantidade de estudos sobre ayahuasca, somente recentemente, em 2018, que um dos mais altos níveis de evidência no campo científico foi alcançado em um estudo clínico randomizado e duplo-cego, desenvolvido por pesquisadores brasileiros da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1). Neste estudo, pacientes com depressão resistente a tratamento (que não responde aos medicamentos psiquiátricos convencionais) receberam ayahuasca ou uma substância com aparência similar e gosto amargo, mas sem efeitos psicoativos (placebo). Para evitar a influência de outros fatores nos resultados e aumentar o rigor científico, os pacientes foram distribuídos de forma aleatória nos grupos (ayahuasca ou placebo) e nem os pacientes nem os pesquisadores sabiam quem estava ingerindo o que – por isso é chamado de estudo “randomizado” e “duplo-cego”. Os resultados mostraram diminuição dos sintomas depressivos no grupo que recebeu uma dose/sessão de ayahuasca em comparação com o grupo que recebeu placebo. O efeito foi encontrado no dia seguinte e sete dias após a ingestão da bebida. Estes resultados são promissores, tendo em vista que os pacientes já haviam passado por outros tratamentos sem sucesso e que os tratamentos farmacológicos disponíveis para depressão levam, em média, 14 dias para começar a apresentar efeitos clínicos.


Homem sentado em um sofá, com a mão na testa, aparentando estar depressivo.

Estudo conduzido no Brasil evidenciou diminuição dos sintomas depressivos de pacientes tratados com ayahuasca.



A partir destes resultados surge o questionamento: como a ayahuasca poderia ter um efeito antidepressivo? Diversos mecanismos podem estar envolvidos, atuando de maneira isolada ou conjunta. Esses efeitos antidepressivos podem ocorrer por atividades biológicas, através da redução nos níveis de biomarcadores pró-inflamatórios, modulando os níveis de cortisol, um hormônio relacionado às respostas adaptativas de estresse cujo o desbalanceamento está relacionado à depressão. Outra possível explicação se dá através da ação em receptores no sistema nervoso que estão envolvidos com a depressão (ex., receptores de serotonina e sigma-1) e ao aumento de BDNF, uma proteína envolvida na capacidade do cérebro de se modificar/adaptar. Para além de efeitos neurobiológicos, as vivências subjetivas durante a experiência também podem ter influência no potencial antidepressivo, como é o caso da experiência do tipo mística, uma experiência de cunho espiritual mas independente de religião, que é frequentemente induzida por psicodélicos e está relacionada a diversos desfechos terapêuticos.


No final das contas, através da perspectiva científica, podemos dizer que a ayahuasca é antidepressiva?


Não. Podemos dizer que os estudos científicos indicam, de forma um tanto promissora, que a ayahuasca possui um potencial antidepressivo. Porém, as evidências no campo científico são construídas a partir de diversos estudos e replicações de resultados para que se tenha um maior grau de evidência e confiança. Outros estudos, principalmente ensaios clínicos, devem ser realizados para podermos comparar os resultados de vários experimentos, e assim alcançarmos o mais alto grau de evidência no campo científico.


 

Referências


Domínguez-Clavé E et al. (2016). Ayahuasca: Pharmacology, neuroscience and therapeutic potential. Brain Research Bulletin. 126(Pt 1): 89-101.


Grob CS et al. (1996). Human psychopharmacology of hoasca, a plant hallucinogen used in ritual context in Brazil. The Journal of Nervous and Mental Disease. 184:86-94.


Labate BC. e Araújo WS (2002). O uso ritual da ayahuasca. Campinas, SP: FAPESP/Mercado das Letras. 686 pp.


(1) Palhano-Fontes F et al. (2019). Rapid antidepressant effects of the psychedelic ayahuasca in treatment-resistant depression: a randomized placebo-controlled trial. Psychological Medicine 49(4): 655-663.

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