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LSD e o dia da bicicleta

Atualizado: 4 de set. de 2021




Por Dimitri Daldegan-Bueno, MS.


 

“Enquanto eu passeava pelos frescos bosques verdejantes, cheios de canções de pássaros e iluminado pelo sol da manhã, tudo de uma vez e cada coisa apareceu numa incomum luz clara. Isto era algo que eu simplesmente não tinha notado antes? Estava eu descobrindo, de repente, como de fato a floresta da primavera se parece? Brilhava com o esplendor mais bonito, falando ao coração, como se quisesse me cercar de sua majestade. Eu estava repleto de uma indescritível sensação de alegria, identidade, e uma segurança repleta de felicidade.” (Hofmann, 1980)

Esse é o relato de uma experiência espontânea que o químico Albert Hofmann (1906-2008) teve quando era criança. Foi somente décadas depois que ele teve contato, de forma acidental, com experiências visionárias semelhantes. Albert Hofmann foi um químico suíço que tinha especial interesse nos potenciais medicinais das plantas, mais conhecido pela descoberta do LSD, ou “ácido”. Após terminar seu doutorado, na década de 30, Hofmann começou a trabalhar nos laboratórios da empresa Sandoz, onde tentava isolar os componentes presentes no ergot (Claviceps purpurea), um fungo que cresce no trigo e no centeio. Para isso, uma molécula precursora dos componentes da ergolina, ou seja, uma substância que tem um núcleo químico em comum com os componentes do ergot, era utilizada. Essa substância era o ácido lisérgico.


O químico Albert Hofmann e o fungo ergot (Claviceps purpurea) crescendo no centeio.



Na tentativa de produzir novas substâncias com relevância terapêutica, o químico desenvolveu em 1938 a vigésima-quinta substância derivada do ácido lisérgico: a dietilamida de ácido lisérgico, abreviada como LSD-25 (do alemão Lyserg-säure-diäthylamid). Contudo, o LSD-25 não despertou interesse em estudos preliminares e foi então descontinuado. Foi apenas cinco anos depois que, motivado por uma sensação de que o LSD-25 poderia ter outras propriedades de interesse, Hofmann resolveu investigar essa substância novamente – uma prática um tanto incomum para substâncias cujas investigações são descontinuadas. Para tanto, foi sintetizar, ou criar, o LSD-25 novamente.


Durante o processo de síntese, foi necessário interromper o trabalho devido a uma incomum sensação de inquietude e tontura. Ao chegar em casa, Hofmann teve uma experiência caracterizada por imaginação vívida, visualizando figuras coloridas e caleidoscópicas de olhos fechados. Hofmann suspeitou que os efeitos pudessem ter ocorrido devido a uma contaminação durante o processo de síntese do LSD-25, provavelmente através da pele (tópica). Isso despertou curiosidade, pois somente uma substância extremamente potente poderia gerar efeitos nessa condição e quantidade.


Em 19 de abril de 1943 às 16:20, aconteceu o primeiro (auto) experimento da história com LSD. Data que ficou mundialmente conhecida como o Dia da Bicicleta (“Bicycle Day”).


Hofmann se auto administrou 0.25 mg de LSD dissolvido em água (0.25 milésimo de grama), uma dose que, na época, acreditou ser extremamente baixa. Quarenta minutos depois começou a se sentir tonto, ansioso, com distorções visuais e vontade de rir. Dada a intensidade dos efeitos, ele solicitou que sua assistente de laboratório o escoltasse para casa. Na época, havia restrições do uso de automóveis por causa da guerra, então eles foram de bicicleta — dando, assim, origem ao mais famoso símbolo da comunidade psicodélica.


Cartela de LSD com a famosa ilustração que faz referência ao Dia da Bicicleta.



Após chegar em casa, Hofmann teve uma experiência intensa e desagradável, com percepções demoníacas, medo de ficar louco e sensação de morte. Dada a situação, um médico foi visitá-lo. A despeito de Hofmann tentar explicar o perigo iminente de morte que ele supostamente corria, não havia nenhuma alteração fisiológica além de pupilas dilatadas. Após o pico dos efeitos, a experiência ficou gradativamente menos desagradável, e durante todo o dia seguinte Hofmann esteve revigorado e com uma sensação de bem-estar profundo. Foi assim que foi descoberto o LSD, um psicodélico sem cor e cheiro, extremamente potente e fisiologicamente seguro. Ele é considerado uma substância semi sintética por ser criado a partir de modificações químicas de componentes naturais.


A partir de então, diversos estudos começaram a ser realizados com o LSD. Primeiramente em modelos animais para determinar a toxicidade e as propriedades farmacológicas e, em seguida, na psiquiatria. A Sandoz disponibilizou o LSD para médicos e instituições de pesquisa como uma droga experimental, com o nome de Delysid. Na época, o LSD era recomendado para a investigação do processo psicoterapêutico, a fim de facilitar a introspecção, a revivência de memórias reprimidas ou traumáticas e para facilitar a relação entre o terapeuta e o paciente. Além disso, era usado para investigar a natureza da psicose, partindo da ideia de que os efeitos do LSD fossem parecidos com o de uma psicopatologia – ideia que depois foi refutada.


Delysid, o LSD fabricado pela Sandoz.



No final da década de 60, a substância que era majoritariamente utilizada em contexto científico e médico começou a ser utilizada em diversos outros contextos, incluindo contextos recreativos, principalmente nos Estados Unidos. Um personagem central para a difusão do uso não médico do LSD foi Timothy Leary (1920-1996), um professor de psicologia da Universidade de Harvard. Na época, Leary tinha, junto de outros professores, projetos científicos envolvendo o uso do LSD e da psilocibina. Porém, seus interesses pelos psicodélicos não se limitavam à investigação científica.


Não demorou muito para Leary ser demitido da universidade, já que suas investigações com psicodélicos tinham perdido o caráter científico e por ter supostas condutas controversas, como pressionar os alunos a experimentarem as substâncias. Um fato curioso é que logo antes de ser demitido, Leary chegou a fazer um requerimento de 100g de LSD e 25kg de psilocibina para a Sandoz, equivalente a 1 e 2.5 milhões de doses de cada substância. Após ser demitido, Leary continuou a promover publicamente o uso de psicodélicos e virou, assim, uma notória figura no movimento contracultural da década de 60, difundindo o lema “Turn on, tune in, drop out”, referente a se ligar, se afinar e usar (“droppar”) LSD.


Timothy Leary (Foto: Mark Terrill).



A publicidade do LSD teve seu pico entre 1964 e 1966, não apenas a partir dos relatos de efeitos potencialmente positivos, mas também com diversos relatos negativos, como acidentes, surtos mentais e crimes. É nesse contexto que em 1965 a Sandoz interrompe a distribuição da substância. Em seguida, no início da década de 70, os psicodélicos (incluindo o LSD) são colocados na Lista 1 no “Ato de Substâncias Controladas”, sendo consideradas substâncias com alto potencial de abuso, sem uso médico aprovado e sem evidência de segurança, onde permanece até hoje, a despeito de inúmeras evidências contrárias. Isso dificultou a realização de estudos, criando um hiato das pesquisas com LSD e psicodélicos que durou até o início do século XXI.


É desta forma que o LSD e sua história, representado e celebrado no Dia da Bicicleta, tem uma grande marca na ciência e na cultura psicodélica. É importante ressaltar que, para além do descobrimento do LSD, as contribuições de Hofmann foram diversas para a comunidade e a ciência psicodélica, incluindo o estudo e contato com o uso tradicional das plantas sagradas. Entre eles, o isolamento, a síntese e a nomeação da psilocibina, através do contato com a curandeira mexicana Maria Sabina, que fazia uso de cogumelos em seus rituais tradicionais de cura.


Hofmann acreditou no potencial do LSD de auxiliar a meditação direcionada a uma experiência mística, de uma percepção aprofundada da realidade. Propriedades que, em suas palavras, estão de acordo com a essência de uma substância sagrada.


Toda essa história, com seus altos e baixos, resultou na publicação do seu famoso livro: “LSD: Meu filho problemático”. Para Hofmann,


“Se as pessoas aprendessem a usar a capacidade do LSD de induzir visões mais sabiamente, sob condições satisfatórias [...], então, no futuro, esta criança-problema poderá vir a se tornar uma criança-maravilha.” (Hofmann, 1980)

O livro de Albert Hofmann “LSD: Meu filho problemático”.



Enquanto “utilizar mais sabiamente” pode deixar espaço para diferentes interpretações, como a intenção ou contexto, Hofmann traz uma grande reflexão sobre a importância de usar o LSD de uma forma consciente e segura, maximizando seus potenciais positivos e minimizando os riscos.


 

Referências


Chi, T., & Gold, J. A. (2020) A review of emerging therapeutic potential of psychedelic drugs in the treatment of psychiatric illnesses. Journal of the Neurological Sciences, 411, 116715. https://doi.org/10.1016/j.jns.2020.116715


Fuentes, J. J., Fonseca, F., Elices, M., Farré, M., & Torrens, M. (2020). Therapeutic Use of LSD in Psychiatry: A Systematic Review of Randomized-Controlled Clinical Trials. Frontiers in psychiatry, 10, 943. https://doi.org/10.3389/fpsyt.2019.00943


Hofmann, A. (1983). LSD My problem child: Reflections on sacred Drugs, mysticism, and science. Santa Cruz, CA: MAPS




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1 Comment


Maicon Santos
Maicon Santos
Jun 13, 2023

Que matéria sensacional, realmente temos que tirar da cabeça esse preconceito idiota, e começar a investir em estudos que acelerem o conhecimento a respeito dessa benção da natureza. Certamente sabe dos benefícios quem já usou e enchergou a fim o propósito, claro que é algo que tem que saber ingerir, possui muitos métodos pra usar , como se fosse um guia por que o mau isso sim pode acarretar uma experiência não muito agradável.

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