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  • Foto do escritorFabio Carezzato

Por que os efeitos da MDMA são diferentes para homens e mulheres

Atualizado: 21 de dez. de 2023




RESUMO: O autor, com quase uma década de experiência no acompanhamento de mulheres que utilizam substâncias psicoativas, ressalta as diferenças nas relações que homens e mulheres estabelecem com as drogas. Através de uma revisão de estudos científicos, feita com colegas da USP, e publicada no periódico International Review of Psychiatry, foi possível observar particularidades sociais, psicológicas e biológicas que vão além de complicações médicas como hipertermia e hiponatremia. Entre as concluões, pode-se destacar que, depois de tantos avanços conquistados pelo feminismo, não se pode continuar utilizando resultados de estudos feitos em homens cis para definir o tratamento de mulheres, estimulando a necessidade de pesquisas mais inclusivas.


 

Trabalho com mulheres que usam substâncias já há quase uma década. Desde meu primeiro ano de residência médica em psiquiatria em 2014 me interessei pelo tema ao entrar em contato com o Programa da Mulher Dependente Química (PROMUD) do Instituto de Psiquiatria da USP em São Paulo, do qual participei por 9 anos.


Durante esse período, por três vezes fui procurado por jornalistas para falar sobre uma possível maior vulnerabilidade das mulheres a 3-4-metilenodióximetanfetamina (MDMA). O fato era que, por mais que raros, os casos de fatalidades associados a essa substância se concentravam em pessoas do sexo feminino*. Assim, havia uma curiosidade para saber se haveria alguma vulnerabilidade específica que explicasse esse fato.


Existem diversas diferenças na maneira como homens e mulheres estabelecem sua relação com drogas. Essas especificidades são mediadas por múltiplos fatores, incluindo sociais, psicológicos e biológicos, e impactam o curso dessa relação e também os cuidados associados a ela (Hochgraf & Brasiliano, 2023).


Existem diversas diferenças na maneira como homens e mulheres estabelecem sua relação com drogas. Essas especificidades são mediadas por múltiplos fatores, incluindo sociais, psicológicos e biológicos.



Para essas reportagens, busquei informações voltadas às especificidades de sexo e gênero, focadas nas principais complicações médicas associadas ao uso desta droga, a hipertermia e a hiponatremia.


A hipertermia é o aumento da temperatura corporal a níveis que comprometem o funcionamento adequado de processos químicos do corpo e de órgãos. No caso da MDMA, esse efeito é consequência tanto de um efeito direto sobre o sistema nervoso central e maior atividade muscular, como também de questões associadas ao contexto de uso. Como o consumo geralmente ocorre em festas de música eletrônica, a concentração de pessoas, o movimento constante e o ambiente fechado contribuem para o calor do corpo. As mulheres, por uma diferença no metabolismo dessa droga, estão mais protegidas contra esse efeito.


Uma medida que eventos e redutores de danos propuseram para a prevenção da hipertermia foi o estímulo à ingestão de líquidos, principalmente de água, durante a ação da substância. Após a implementação desta estratégia, começaram a surgir relatos de caso de outro problema clínico. A ingesta excessiva de água e a secreção de hormônios antidiuréticos estimulada pela MDMA podem levar a diluição do sangue. A hiponatremia é a diminuição da concentração de sódio na corrente sanguínea, que faz com que os líquidos saiam dos vasos em direção aos órgãos, causando seu inchaço. O inchaço ou edema do cérebro é a consequência mais grave desse estado, que pode causar, por sua vez, convulsões e morte. Mulheres parecem ser mais vulneráveis a esse problema, por conta de efeitos inibitórios do estrogênio sobre a resposta às mudanças de concentração de sódio, além de algumas especificidades da sensibilidade do cérebro e dos rins aos hormônios antidiuréticos. Vale ressaltar mais uma vez que essas são complicações raras, que também podem ser prevenidas com o controle da ingesta de água ou sua substituição por bebidas isotônicas.


A hipertermia é o aumento da temperatura corporal a níveis que comprometem o funcionamento adequado de processos químicos do corpo. Já a hiponatremia é a diminuição da concentração de sódio na corrente sanguínea.



Após essa primeira pesquisa sobre a relação entre mulheres e MDMA, fiquei interessado em investigar se haveria outras particularidades de sexo e gênero associado ao uso dessa substância. A partir dessa pergunta fizemos uma revisão de estudos científicos que foi publicada recentemente (Carezzato et al., 2023).


Assim, descobrimos algumas informações interessantes. Mulheres e homens em geral têm motivos diferentes para o uso de drogas. Enquanto pessoas do gênero masculino costumam iniciar o uso por pressão de amigos e busca de sensações novas, as mulheres em geral iniciam por pressão do parceiro e para lidar com questões psicológicas. No caso da MDMA, estudos observaram que seu uso por mulheres era relacionado com diagnóstico de transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) e histórico de traumas, podendo ser uma forma de automedicação para sintomas associados a isso.


A MDMA é uma das drogas mais citadas no uso em práticas sexuais. Também neste contexto são observadas diferenças de gênero. Enquanto os homens relatam mais do que mulheres usar a droga para aumentar o prazer sexual, quase exclusivamente mulheres citam usar a substância como maneira de compensar a falta de satisfação física ou psicológica com o sexo. Mulheres também estão mais suscetíveis a contrair infecções sexualmente transmissíveis do que homens quando o uso dessa droga está em jogo. Tanto por suas alterações subjetivas facilitarem situações de risco quanto pela dificuldade de ereção associada a MDMA favorecer o não uso de preservativos.


Enquanto os homens relatam mais do que mulheres usar a MDMA para aumentar o prazer sexual, quase exclusivamente mulheres citam usar a substância como maneira de compensar a falta de satisfação física ou psicológica com o sexo.



Vários estudos observaram que as mulheres parecem ser mais sensíveis aos efeitos subjetivos da MDMA. Isso vale tanto para as alterações sensoperceptivas, quanto para efeitos positivos, como empatia e maior sociabilidade, e efeitos negativos como ansiedade e efeitos colaterais. Outros estudos, porém, não encontraram diferenças significativas. Em relação a efeitos cardiovasculares os resultados também são conflitantes. Kirkpatrick et al., (2014) propõem que essas diferenças nos resultados são consequência de diversos vieses metodológicos, incluindo não se considerar diferenças relacionadas às fases do ciclo menstrual. Assim, mais uma vez se faz necessário destacar a importância de estudos desenhados pensando nas singularidades das mulheres.


Esse estudo sobre a sensibilidade da mulher a MDMA é de extrema importância quando pensamos em seu uso como medicação, por exemplo para tratamento de TEPT. Sabe-se que a prevalência desse transtorno é maior em pessoas do gênero feminino, provavelmente por serem mais frequentemente vítimas de violência. Porém, os principais estudos do uso de MDMA para TEPT focam em uma população majoritariamente masculina, de veteranos das forças armadas americanas. Não podemos, depois de tantos avanços conquistados pelo feminismo, continuar utilizando resultados de estudos realizados em homens cis para definir o tratamento de mulheres. Assim, mais estudos sensíveis às singularidades e especificidades femininas são necessários.


*Utilizo sexo aqui e não gênero por se tratar de aspectos associados ao sexo biológico e da forma que eram apresentados os dados estatísticos das mortes. Nos momento em que se tratar de questões que transcedem o biológico ou que se refiram também a mulheres em geral, será utilizado o termo gênero.



Autor



Referências

  • Carezzato, F., Arruda, I. F., Figueiredo, C. P. M., Castaldelli-Maia, J. M. (2023): Women and MDMA: particularities of gender and sex, International Review of Psychiatry, https://doi.org/10.1080/09540261.2023.2250867

  • Hochgraf, P. B. & Brasiliano, S. (Org) (2023). Álcool e drogas: uma questão feminina. São Paulo: Red Publicações.

  • Kirkpatrick, M. G., Baggott, M. J., Mendelson, J. E., Galloway, G. P., Liechti, M. E., Hysek, C. M., & de Wit, H. (2014). MDMA effects consistent across laboratories. Psychopharmacology, 231(19), 3899–3905. https://doi.org/10.1007/s00213-014-3528-z.



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