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Foto do escritorAbbie Rosner

Psicodélicos podem mudar a forma como envelhecemos e morremos


Casal de idosos sentados em um muro no momento do pôr-do-sol.

Resumo: Estudos têm mostrado que, para aqueles com doenças que ameaçam a vida, uma jornada psicodélica intencional pode catalisar mudanças mentais profundas — passando da preocupação com a morte e de como adiá-la, para desfrutar o momento presente. Na verdade, todos nós temos uma condição terminal. E para uma geração inteira de baby boomers [1] envelhecendo, a oportunidade de vivenciar um ritual psicodélico de fim de vida poderia criar uma visão radicalmente nova de como envelhecemos e morremos.


 

Quando se trata de morrer, podemos aprender algumas coisas com o Dr. Roland Griffiths. Diante de um diagnóstico de câncer em estágio IV, o respeitado pesquisador da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, o encarou como um presente e o ponto de virada para o período mais desperto e alegre de sua vida. Ele atribui essa atitude, notavelmente inspiradora, a uma prática de meditação de longa data e, sim, a algumas experiências com psicodélicos.


A ironia é agridoce. Griffiths foi o principal pesquisador em um estudo emblemático de 2016 que mostrou resultados notáveis da terapia assistida por psilocibina no tratamento do sofrimento existencial em pacientes com câncer. Como Griffiths admite com um sorriso, por todas as vezes em que se perguntou o que os voluntários estavam obtendo com a experiência, agora ele sabe.


Dr. Roland Griffiths (Foto: The New York Times).



Psicodélicos e o Movimento Positivo em Relação à Morte


Durante uma jornada psicodélica, pacientes com câncer frequentemente descrevem transcender seus corpos debilitados, apoiados por um campo unificador de alegria e amor. O que se segue muitas vezes é uma mudança mental profunda e duradoura: de se preocupar obsessivamente com a morte e como adiá-la, para desfrutar o momento presente.


Em certa medida, uma mudança semelhante está ocorrendo em nossa cultura. Depois de décadas em que a morte era um tema tabu, estamos cada vez mais dispostos a discuti-la e planejá-la: com cuidados paliativos e hospices, doulas da morte e até “death cafés” com a participação de pessoas inteiramente leigas no assunto. Há menos vergonha e estigma e mais curiosidade. Menos medicina e mais espiritualidade.


Entrar em estados expandidos de consciência para iluminar o maior mistério da vida, seja por meio de práticas rituais ou substâncias psicoativas, não é algo novo e parece ser uma experiência humana fundamental. Desde a pré-história, a oportunidade de beber uma poção, adentrar o mundo das sombras e "morrer antes de morrer" tem oferecido conforto e contexto para buscadores espirituais diante do grande desconhecido. Apesarde séculos de repressão implacável por colonizadores, pela igreja e pelos governos, culturas indígenas continuam a praticar e nos ensinar como encontrar significado na mortalidade por meio de medicinas sagradas.


Antecipo que, uma vez que a terapia assistida por psicodélicos no final da vida se torne amplamente disponível, o movimento positivo em relação à morte será elevado a um patamar superior.



Por Trás dos Dados


Nos últimos 70 anos, centenas de pacientes com câncer participaram de ensaios clínicos com terapia assistida por psicodélicos para aliviar o sofrimento existencial. O consenso desses estudos é que, embora nem todos se beneficiem, uma grande parte o faz. Alguns, de forma profunda.


Os participantes que obtêm pontuações elevadas em questionários que avaliam experiências místicas relatam aumentos dramáticos em várias medidas de bem-estar. Por trás dos dados estão histórias intensamente comoventes: encontros catárticos com entes queridos há muito falecidos, experiências aterrorizantes e requintadas de morte e renascimento, e a sensação de se dissolver na unidade divina. A partir dessas jornadas, vem uma profunda cura espiritual e graça que alivia a dor e o luto da perda inevitável.


Nem toda jornada psicodélica leva a uma experiência transcendental do tipo místico, mas com preparação cuidadosa, ambiente adequado e apoio apropriado, simplesmente se submeter aos lugares desconhecidos para onde essas medicinas sagradas nos levam pode ser o ensaio geral para o momento final de partir.


Uma mulher demonstra o que um paciente experimentaria em uma clínica de terapia psicodélica em Toronto (Foto: Cole Burston, para Bloomberg).



O Problema do Acesso


Neste momento, a única maneira legal pela qual a maioria das pessoas pode acessar a terapia assistida por psilocibina para o sofrimento no final da vida, além de uma cara viagem ao exterior, é se inscrever em um número muito reduzido de ensaios clínicos.


E no entanto, sob as leis do "Direito de Tentar" (Right to Try), nos Estados Unidos, que tornam medicamentos experimentais disponíveis para aqueles com doenças potencialmente fatais, mesmo antes da aprovação pela FDA, a psilocibina deveria estar disponível para qualquer paciente com uma condição terminal, cujo médico acredite que eles se beneficiariam com ela. As tentativas do oncologista Sunil Aggarwal, do estado de Washington, de exercer esse direito em nome de seus pacientes até agora foram bloqueadas pela Administração de Repressão às Drogas (DEA, na sigla em inglês). Aggarwal está recorrendo, e paralelamente, várias iniciativas do Congresso para tornar a terapia assistida por psicodélicos mais acessível estão atualmente em discussão.


Se e quando a DEA ceder, pacientes em todo o país começarão a perguntar a seus médicos como podem obter terapia assistida por psilocibina, o que poderia representar um ponto de virada para a entrada dos psicodélicos no mainstream.


Além da proibição legal, obstáculos formidáveis para o acesso generalizado à terapia assistida por psicodélicos ainda permanecem. Não há nem de longe guias/facilitadores treinados em número suficiente para atender à demanda esperada. Se essa forma de terapia não for coberta por seguros, estará disponível apenas para os privilegiados e ricos. Além disso, apesar das medidas de descriminalização, até que os psicodélicos sejam legalizados em nível federal, pessoas BIPOC (negras, indígenas e de outras origens étnicas) que foram mais impactadas pela Guerra às Drogas podem não se sentir seguras para acessá-los.


Por enquanto, os sistemas subjacentes que darão suporte à terapia assistida por psicodélicos para pessoas em fim de vida estão sendo estabelecidos. O primeiro centro de terapia assistida por psicodélicos localizado em um centro oncológico agora é um local para ensaios clínicos, um modelo pronto para ser replicado por todo o país assim que for legalmente possível.


O campo de cuidados paliativos está se preparando para oferecer terapia assistida por psicodélicos para tratar o sofrimento espiritual de pacientes com doenças crônicas e pessoas em fim de vida. Doulas da morte estão adicionando suporte de integração psicodélica aos seus serviços. E, uma vez que a maneira como abordamos a morte e uma experiência psicodélica estão ambas imbuídas de conteúdo espiritual, capelães estão treinando grupos de “clínicos de saúde espiritual” para apoiar essa terapia no final da vida.


A "Doula da morte" Michelle Thornhill e sua cliente, Estella Stackhouse, de 101 anos, na Filadélfia, em 19 de janeiro de 2022 (Foto: Dawn Bottoms, para TIME).



Um Novo Ritual de Fim de Vida


Podemos estar ansiosos em relação à morte. Ou inquisitivos. Mas uma coisa que todos nós compartilhamos em comum é uma condição terminal.


Agora, toda uma geração de baby boomers está se aproximando da velhice, exatamente quando a oportunidade de ter uma jornada psicodélica segura, intencional e legal está se abrindo.


Nas décadas de 60 e 70, as drogas nos ajudaram a reimaginar uma nova cultura da juventude. Agora que estamos em nossos 60 e 70 anos, elas podem nos ajudar a conceber de outra forma a maneira como experimentamos o envelhecimento e a morte.


Eu proponho que as condições estão maduras para a instituição de um novo ritual psicodélico de fim de vida, inspirado pelas culturas do mundo, mas personalizado com base em nossas próprias raízes culturais e sensibilidades.


Realizado com planejamento intencional, orientação, reverência e integração, um ritual psicodélico de ciclo de vida poderia alterar radicalmente nossas atitudes em relação à morte – com repercussões positivas nos níveis individual, familiar, comunitário e social.


O Dr. Roland Griffiths, ele próprio um baby boomer, nos lembra que não precisamos esperar até estarmos à porta da morte para apreciar o milagre de nossa vida nesta terra. Se nossa partida é iminente ou eventual, não há momento melhor do que o presente para despertar para o mistério da vida.


 

[1] Nota do tradutor: “Baby boomers” se refere a uma geração de pessoas nascidas após a Segunda Guerra Mundial, principalmente entre 1945 e meados da década de 1960, na Europa e na América do Norte. Presenciaram a Guerra do Vietnã e a Guerra Fria, além de mudanças significativas em diversos aspectos da sociedade, incluindo avanços tecnológicos, movimentos de direitos civis e movimentos de contracultura. Hoje, os baby boomers são geralmente considerados como aqueles que estão na faixa etária de 55 a 75 anos.


 

Autora


Este artigo foi publicado originalmente em inglês em MAPS Bulletin: Volume XXXIII Number 2 • 2023. A tradução foi feita por Lucas Maia e autorizada pela autora.



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