O que está acontecendo com os cogumelos sagrados dos zapotecas?
- Nathan Fernandes
- 30 de jun.
- 3 min de leitura

Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Guadalajara, no México, lançou luz sobre o uso tradicional de cogumelos sagrados entre os zapotecas da comunidade de El Peral — localizada no município de San Antonino El Alto, na região dos Vales Centrais do estado de Oaxaca, no México.
Segundo os autores do estudo, publicado no periódico IMA Fungus (da Associação Internacional de Micologia), esta é a primeira documentação formal do uso de cogumelos psilocibinos entre zapotecas nesta região.
O uso destes enteógenos costuma ser mais associado ao povo mazateca, que também habita Oaxaca. Isso se deve, em grande parte, à reportagem publicada em 1957 pelo banqueiro e micologista amador Gordon Wasson na revista Life, que popularizou mundialmente essas práticas — contribuindo para a exploração e o consequente falecimento da curandeira Maria Sabina.
Os pesquisadores buscavam compreender se o uso ritual desses cogumelos, relatado por Wasson, ainda persiste, se passou por transformações ou se desapareceu.
Para a análise, os pesquisadores escolheram os zapotecas, que são o maior grupo indígena de Oaxaca, e se autodenominam Binnizá (“povo que vem das nuvens”). Eles estão distribuídos por cinco regiões geográficas, o que contribui para sua diversidade ecológica, linguística e cultural. Pertencem à família linguística otomangue e contam com 62 variantes do idioma. Devido a essas variações, não se pode falar de uma cultura zapoteca única. Em geral, são divididos em quatro macroetnias: Istmo, Sierra Norte, Sierra Sur e Vales Centrais — este último, o mais antigo.
A investigação foi realizada por meio de entrevistas informais e aprofundadas com 30 moradores locais, permitindo registrar os costumes, crenças e nomes tradicionais ligados ao uso do Psilocybe zapotecorum — diferente do Psilocybe cubensis, mais comumente associado à psilocibina —, também chamado de Hongo Borracho, Hongo Santo ou, em zapoteca, Ni’to be’ya.
Para os zapotecas de El Peral, os cogumelos são capazes de realizar o que for pedido, desde que inseridos em um ritual adequado. “Na cosmovisão local, os cogumelos são considerados seres com sentimentos e capazes de se comunicar com quem os consome. As visões e emoções provocadas por eles são interpretadas como mensagens divinas que revelam enfermidades e conflitos físicos ou espirituais. Essa relação espiritual exige moderação e responsabilidade em seu uso, já que as experiências moldam a percepção de realidade e a saúde espiritual dos indivíduos”, escreveram os autores do estudo.
Os zapotecas reconhecem, porém, que visitantes externos têm buscado essas experiências por motivos recreativos — o que, para parte da comunidade, representa uma forma de desrespeito às tradições espirituais.
Esse fenômeno de “turismo psicodélico” já foi identificado em outros pontos de Oaxaca, como Huautla de Jiménez e San José del Pacífico, onde o uso ritualístico dos cogumelos foi ressignificado como atração comercial. Segundo os pesquisadores, esse processo tem provocado não apenas a mercantilização das práticas indígenas, mas também a perda acelerada de conhecimentos tradicionais, que já não são mais vistos como compatíveis com
o estilo de vida contemporâneo.
Na conclusão, os pesquisadores afirmam que, embora o uso medicinal e adivinhatório dos cogumelos ainda seja praticado, os entrevistados relataram que sua presença tem diminuído, possivelmente devido a mudanças climáticas que afetam a disponibilidade natural dos fungos na região.
“De acordo com as entrevistas realizadas, os moradores demonstraram estar cientes da influência das mudanças climáticas e do desmatamento sobre a disponibilidade dos basidiomas de Psilocybe zapotecorum”, escreveram os autores. “A percepção de que o clima tem mudado de forma negativa reflete uma preocupação com a sustentabilidade dos recursos naturais e os impactos da ação humana sobre o ambiente.”
Além de destacar a tensão entre tradição e globalização, o estudo reforça a importância de documentar saberes culturais relacionados ao uso de cogumelos, sobretudo diante dos desafios ambientais que ameaçam sua existência.
Leia o estudo original na íntegra.
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