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Para além das substâncias: outros fatores que influenciam a experiência psicodélica

Atualizado: 4 de set. de 2021




Por Dimitri Daldegan-Bueno, MSc.


 

Uma característica marcante dos psicodélicos é a grande variabilidade dos seus efeitos. É muito comum pessoas utilizarem o mesmo psicodélico, na mesma ocasião, e terem experiências completamente diferentes. Isso ocorre porque existem outros fatores, para além da substância utilizada, que influenciam os efeitos psicodélicos. Estes fatores podem ser características pessoais ou estados psicológicos (chamados de set) ou características ambientais (chamadas de setting).


É neste sentido que o estudo científico intitulado “Preditores da resposta da psilocibina em voluntários saudáveis” (“Prediction of Psilocybin Response in Healthy Volunteers”), realizado por Erich Studerus et al. (2012) em Zurich, na Suíça, investigou a influência de diversos fatores, incluindo a substância, o set e o setting, sobre os efeitos psicodélicos induzidos pela psilocibina, o princípio ativo dos “cogumelos mágicos”. Nesse artigo, os autores utilizaram dados de mais de 20 estudos experimentais, totalizando 263 participantes que receberam psilocibina ou placebo (substância sem efeito).



Pesquisador Erich Studerus e o estudo “Preditores da resposta da psilocibina em voluntários saudáveis” publicado no periódico Plos One.

Pesquisador Erich Studerus e o estudo “Preditores da resposta da psilocibina em voluntários saudáveis” publicado no periódico Plos One.



Foram investigadas as associações entre 24 variáveis e os efeitos da psilocibina. Uma variável é uma medida que, como o nome sugere, varia entre sujeitos (ex.: altura, peso, sintomas de depressão). Esse estudo contou com medidas relacionadas à psilocibina (ex.: dose, tempo de avaliação após a administração), se foi a primeira vez que usou um psicodélico, às características do local onde o experimento foi realizado, ao estado mental antes do experimento (ex.: excitabilidade, humor), traços de personalidade e variáveis sociodemográficas (ex.: idade, sexo, educação).


Para estudar o efeito da psilocibina, foi utilizado um questionário que avalia de forma quantitativa (em números) o estado alterado de consciência. O questionário utilizado fornece tanto um escore (um tipo de “nota”) geral da intensidade de alteração de consciência, como escores de diversos subdomínios dos estados alterados de consciência, por exemplo: experiência espiritual, estados de êxtase, alterações visuais, experiência de ansiedade, entre outros.


Dentre todas as variáveis analisadas, a dose de psilocibina foi a que teve a maior influência sobre os efeitos psicodélicos. Para além da dose, o traço de personalidade de absorção teve uma alta influência na alteração do estado de consciência de forma geral, mas também com a ocorrência específica de experiências místicas e alterações visuais. O traço de personalidade de absorção diz respeito à propensão, ou abertura, de uma pessoa para uma variedade de experiências de cognição e percepção. Outros estudos já encontraram uma relação desse traço com a ocorrência de estados alterados de consciência induzidos de outras formas (ex.: hipnose, meditação).


A única variável sóciodemográfica que teve influência nos efeitos foi a idade: quanto maior, mais chance os participantes tiveram de vivenciar experiências mais prazerosas e ter menos descontrole da experiência, incluindo prejuízo na cognição durante os efeitos psicodélicos. Para além das variáveis sociodemográficas, estar em um estado emocional excitável e ativo logo antes de ingerir a psilocibina, ter experienciado poucos problemas psicológicos nas últimas semanas e nunca ter tido experiência com psicodélicos aumentaram a intensidade de efeitos prazerosos e as alterações visuais.


Por último, estar em um ambiente laboratorial de pesquisa, passando por exames como tomografia, esteve fortemente associado com efeitos desagradáveis e reações de ansiedade nos participantes. Porém, isso não significa que esse contexto pode ser perigoso ou danoso para os participantes: mesmo com níveis de ansiedade maiores, estes ainda estavam dentro de um limite saudável.


Ilustração das variáveis que tiveram maior influência sobre os efeitos psicodélicos: Dose de psilocibina, traço de personalidade de absorção, idade, ambiente laboratorial.

No estudo, as variáveis que tiveram maior influência sobre os efeitos psicodélicos foram a dose de psilocibina, o traço de personalidade de absorção, idade e o ambiente laboratorial no qual a pesquisa foi conduzida.



De maneira geral, os resultados desse estudo sugerem que uma parte considerável da variação dos efeitos dos psicodélicos, mais especificamente da psilocibina, está relacionada também com o set e o setting. Outros estudos já haviam demonstrado resultados semelhantes, mas o grande diferencial aqui é que foram investigados vários fatores em conjunto. Isso permite verificar e controlar a influência destes fatores entre eles mesmos. Além disso, foi utilizado um grande número de participantes (amostra), o que permite transpor os resultados para outras pessoas com menor chance de erro.


Por outro lado, mesmo com a grande quantidade de pessoas e variáveis analisadas, uma boa parte dos efeitos induzidos pela psilocibina ainda não pôde ser explicada pelos dados incluídos. Além disso, é importante ressaltar que, devido ao tipo de estudo, esses resultados não permitem determinar uma relação de causa e efeito entre as variáveis estudadas e o efeito da psilocibina - apenas que elas têm grande chances de aparecer juntas.


Segundo Stanislav Grof, os psicodélicos são para psicologia o que o microscópio é para a biologia e o telescópio para a astronomia – um instrumento para estudar a mente humana. Já para Aldous Huxley, os psicodélicos podem ser um ampliador – ou revelador – da mente. Em ambas as perspectivas, é importante considerar que, para além das substâncias em si, o set e o setting influenciam o que está sendo investigado ou ampliado.


 

Referências


Huxley, A. (1999). Aldous Huxley's Classic Writings on Psychedelics and the Visionary Experience. (Rochester: Park Streek Press)


Johnson, M., et al. (2008). Human hallucinogen research: guidelines for safety. Psychopharmacolgy, 22(6):603-20. https://doi.org/10.1177/0269881108093587


Pekala, R. J., Wenger, C. F., Levine, R. L. J. (1985). Individual differences in phenomenological experience: states of consciousness as a function of absorption. Journal of Personality and Social Psychology, 48(1):125-32. https://doi.org/10.1037/0022-3514.48.1.125


Studerus, E., et al. (2012). Prediction of psilocybin response in healthy volunteers. PLoS One, 7(2):e30800. http://doi.org/10.1371/journal.pone.0030800

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