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Psicodélicos são mais eficazes que antidepressivos convencionais?

Atualizado: 4 de set. de 2021




Por Lucas Maia, PhD.


 

Mais um importante passo foi dado no caminho da pesquisa sobre o potencial terapêutico dos psicodélicos para o tratamento da depressão. Há alguns anos, estudos clínicos já vêm demonstrando efeitos antidepressivos de psicodélicos clássicos, como a psilocibina, o LSD e a ayahuasca. No entanto, nesses estudos, a eficácia dos psicodélicos foi avaliada isoladamente ou em comparação a uma substância sem efeito (placebo). A novidade do mais novo estudo – realizado pela equipe liderada por Robin Carhart-Harris, no Imperial College (Londres) – foi comparar a eficácia de um psicodélico, a psilocibina (composto ativo dos “cogumelos mágicos”), com um antidepressivo convencional largamente utilizado na psiquiatria, o escitalopram.


O pesquisador Robin Carhart-Harris e seu estudo publicado no renomado periódico The New England Journal of Medicine.



O escitalopram é um antidepressivo da classe dos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS). Em outras palavras, uma substância que, ao se ligar a determinadas proteínas localizadas na membrana dos neurônios, leva ao fechamento de um canal responsável por trazer de volta (‘recaptar’) ao interior do neurônio a serotonina que havia sido liberada anteriormente. Ao bloquear a recaptação, as moléculas de serotonina ficam mais tempo no exterior do neurônio e mais disponíveis para ativar os receptores serotoninérgicos de neurônios ao redor (para saber mais sobre sinapses químicas, veja este post). Assim, o escitalopram promove uma maior ativação de neurônios e circuitos neurais relacionados à serotonina – circuitos estes que estão relacionados à neurobiologia da depressão*. No entanto, a eficácia deste e de outros antidepressivos ISRS é variável, sendo que uma parcela substancial dos pacientes não obtém efeitos terapêuticos satisfatórios.


A psilocibina, por sua vez, é uma substância análoga à serotonina e, dessa forma, também produz a estimulação de receptores e vias neurais ligadas à serotonina. Estudos anteriores verificaram que a terapia com psilocibina promoveu melhoras significativas em sintomas de depressão e ansiedade em pacientes com depressão resistente aos tratamentos psiquiátricos convencionais e também em pacientes com câncer avançado (Galvão-Coelho et al., 2021).


No estudo recente de Carhart-Harris e colaboradores, publicado no New England Journal of Medicine, uma das revistas científicas de maior impacto na área médica, foram comparados dois grupos de pacientes com depressão moderada, nos quais o tratamento consistiu em seis semanas com o antidepressivo escitalopram (29 pacientes) ou duas sessões de terapia-assistida com psilocibina em alta dosagem (30 pacientes).


No estudo de Carhart-Harris, pacientes com depressão moderada foram tratados com o antidepressivo escitalopram ou duas sessões de terapia-assistida com psilocibina em alta dosagem (imagem). (Imagem: Imperial College London/Thomas Angus/Handout via REUTERS).


Os resultados, por um lado, mostram que a eficácia do escitalopram e da psilocibina, avaliada por meio de um questionário (ou ‘escala’) clínico, foi semelhante. Ou seja, ambos os tratamentos apresentaram efeitos antidepressivos em magnitudes similares, de forma que não houve diferença entre os dois tratamentos.


Por outro lado, considerando as escalas e medidas secundárias de sintomas depressivos que foram avaliadas, a taxa média de resposta ao tratamento – definida como a porcentagem de pacientes que obtiveram uma melhora de ao menos 50% em relação à avaliação feita antes do tratamento de seis semanas – foi de 33% no grupo que recebeu escitalopram e de 70% no grupo que recebeu a terapia com psilocibina. Além disso, os pacientes que receberam psilocibina apresentaram respostas clínicas mais rápidas e melhoras mais pronunciadas em medidas de ansiedade, bem-estar mental, capacidade de sentir emoção e prazer, funcionalidade social e no trabalho, bem como menos pensamentos suicidas.


O tratamento com psilocibina também apresentou menos efeitos adversos. Dor de cabeça leve a moderada, no dia seguinte à sessão com a substância, foi o efeito mais relatado. Enquanto alguns pacientes do grupo escitalopram relataram que o tratamento gerou sonolência, boca seca, disfunção sexual e ansiedade, levando quatro pacientes a pararem de tomar a medicação.


Robin Carhart-Harris no Imperial College, Londres, com a coordenadora de estudos Bruna Giribaldi (Imagem: Tom Jackson para o The Sunday Times).



Embora os resultados favoreçam a psilocibina, é importante salientar algumas limitações do estudo. Primeiro: não houve um grupo placebo, o que dificulta atribuir a eficácia do tratamento à ação farmacológica de cada substância, especificamente (para saber mais sobre o efeito placebo, veja esse post). Segundo: antidepressivos ISRS demoram algumas semanas para fazer efeito, o que varia de acordo com cada fármaco e pessoa. No caso do escitalopram, esse período pode chegar a oito semanas ou mais. Dessa forma, é possível que fosse observada uma eficácia maior do tratamento com escitalopram se o período adotado no estudo (seis semanas) fosse maior.


Os pesquisadores estão avaliando agora os dados de neuroimagem e processos psicológicos coletados durante o estudo para investigar as diferenças entre o tratamento com a psilocibina e com o escitalopram. Em artigo para o jornal britânico The Guardian, Carhart-Harris sugere que enquanto os antidepressivos ISRS diminuem a profundidade emocional, ajudando a amenizar os sintomas depressivos, a psilocibina parece liberar processos psicológicos/neurais relacionados ao pensamento e aos sentimentos. “Quando essa liberação ocorre em conjunto com o apoio psicológico profissional, o resultado mais comum é uma nova amplitude de perspectiva. A terapia psicodélica parece catalisar um tipo de desenvolvimento psicológico que conduz à saúde mental, coincidindo em muitos aspectos com o desenvolvimento espiritual”, afirmou o pesquisador (tradução livre do inglês).


"A terapia psicodélica parece catalisar um tipo de desenvolvimento psicológico que conduz à saúde mental, coincidindo em muitos aspectos com o desenvolvimento espiritual" - Robin Carhart-Harris

Os estudos sobre o potencial terapêutico dos psicodélicos para o tratamento da depressão colocam em xeque o modelo tradicional adotado pela psiquiatria há várias décadas: a perspectiva de que a depressão e outros transtornos psiquiátricos consistem predominantemente em disfunções bioquímicas do cérebro. Diversos clínicos e pesquisadores têm questionado esse modelo, que tem se mostrado insuficiente para explicar a complexidade de tais condições e para propor opções terapêuticas mais eficazes (por exemplo, Schenberg, 2018).


Para Carhart-Harris, a ciência psicodélica aponta para um modelo ‘biopsicossocial’ em que a depressão é entendida como uma resposta adaptativa à adversidade, com causas psicossociais decifráveis. Para o pesquisador, “os psicodélicos podem ativar estados cerebrais poderosos e catalisar mudanças psicológicas profundas. Quando esses estados são combinados a um contexto ambiental que acolhe e nutre, hábitos mentais e comportamentais defensivos podem passar por uma revisão saudável e potencialmente duradoura”.



* A neurobiologia da depressão é multifacetada e envolve diversos outros processos e neurotransmissores. Além disso, aqui nos limitamos aos aspectos neurofarmacológicos, sendo que existem também diversos aspectos psicossociais e socioculturais relacionados ao que se entende atualmente como ‘depressão’.



 

Referências


Carhart-Harris, R., et al. (2021). Trial of Psilocybin versus Escitalopram for Depression. The New England Journal of Medicine, 384(15), 1402–1411. https://doi.org/10.1056/NEJMoa2032994


Carhart-Harris (2021). Psychedelics are transforming the way we understand depression and its treatment. The Guardian [internet]. Disponível em: https://www.theguardian.com/commentisfree/2021/apr/20/psychedelics-depression-treatment-psychiatry-psilocybin (acessado em 13-05-2021)


Galvão-Coelho, N., et al. (2021). Classic serotonergic psychedelics for mood and depressive symptoms: a meta-analysis of mood disorder patients and healthy participants. Psychopharmacology, 238(2), 341–354. https://doi.org/10.1007/s00213-020-05719-1


Schenberg E. E. (2018). Psychedelic-Assisted Psychotherapy: A Paradigm Shift in Psychiatric Research and Development. Frontiers in Pharmacology, 9, 733. https://doi.org/10.3389/fphar.2018.00733



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