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O que acontece quando líderes religiosos tomam psicodélicos?

  • Foto do escritor: Nathan Fernandes
    Nathan Fernandes
  • há 2 horas
  • 4 min de leitura
Ilustração sobre foto, por David Samuel Stern
Ilustração sobre foto, por David Samuel Stern

Na revista New Yorker, o jornalista Michael Pollan escreveu sobre os bastidores de um estudo conduzido por pesquisadores das universidades Johns Hopkins e de Nova York, que analisou os efeitos místicos da psilocibina em líderes religiosos. 


No artigo, Pollan — autor do livro “Como mudar sua mente”, neoclássico do Renascimento Psicodélico na ciência — explica que o estudo, que começou em 2015, contou com cerca de trinta líderes, incluindo um padre católico, um estudioso bíblico batista, vários rabinos, um líder islâmico e um roshi zen budista. 


“O recrutamento, por meio de anúncios e contato direto com comunidades religiosas, mostrou-se difícil, especialmente para religiões como o islamismo, o budismo e o hinduísmo; as proibições religiosas contra substâncias que alteram a mente podem ter influenciado”, escreveu. “Encontrar rabinos dispostos, no entanto, foi fácil — o desafio foi encontrar aqueles que eram novatos em relação a psicodélicos.”


O estudo científico teve várias limitações importantes, como uma amostra pequena e não representativa, falta de controle por placebo e exclusão de várias religiões. Além disso, os participantes podem ter sido influenciados a ter uma “experiência sagrada” por conta da expectativa criada pelos pesquisadores. A música e a linguagem usadas nas sessões também mostraram um viés cristão, o que pode ter influenciado os resultados.


A experiência seguiu a metodologia do padrão atual: após sessões preparatórias com guias, os participantes tomavam psilocibina, usavam fones e máscara para se concentrar internamente, e recebiam suporte discreto dos facilitadores. Após a sessão, respondiam questionários e escreviam relatos, retornando no dia seguinte para uma sessão de integração. Alguns podiam participar de uma segunda sessão — dos 29 participantes iniciais, cinco não retornaram.


Ao relatar suas experiências, os participantes revelaram uma variedade de vivências, indicando que os efeitos da psilocibina foram altamente individuais e heterogêneos. Hunt Priest, então ministro da Igreja Episcopal, revelou ter sentido uma sensação elétrica no topo da cabeça que o levou a emitir sons “que pareciam religiosos, espirituais e sagrados”. “Percebi que estava falando em línguas, algo que nunca tinha feito antes. Falar em línguas não é algo típico da tradição episcopal”, relatou.


Um padre católico afirmou ter ouvido Jesus, já a roshi budista mencionou que a experiência “não foi transformadora”, mas a levou “a um reino completamente não conceitual”, para o qual não conseguiu encontrar palavras. 


Rita Powell, capelã episcopal de Harvard, descreveu sua sessão como uma experiência profundamente desestabilizadora, que a confrontou com um “vazio absoluto”. Diante da intensidade e da ausência de preparo adequado por parte dos facilitadores — que insistiam em destacar apenas os aspectos positivos da psilocibina —, ela optou por não participar de uma segunda sessão. Powell criticou a abordagem adotada, que considerou ingênua e incapaz de lidar com as dimensões mais sombrias da experiência.


Vários participantes relataram experiências com imagens e conceitos religiosos fora de suas tradições, como deuses astecas e hindus, além de uma forte presença divina feminina — descrita como maternal, acolhedora ou semelhante a um útero. Essas vivências levaram alguns a repensar noções patriarcais da religião, surpreendendo até líderes religiosos acostumados com visões mais tradicionais de Deus. “Acho que agora tenho menos tolerância pela religião institucional”, disse um ministro presbiteriano. “Existem outras formas de se conectar com o divino.”


Segundo as entrevistas, o divino se apresentava não como algo visível ou com uma forma, mas como uma sensação de presença que permeava a realidade ou como uma sensação de unidade. “Percebo que o próprio pulsar do meu corpo é Deus, a minha própria respiração é Deus”, disse um rabino.


O estudo, no entanto, ainda não pôde ser publicado por questões éticas. 


Duas pessoas, uma ligada à organização Ligare e outra ao próprio estudo, levantaram suspeitas sobre possíveis falhas, incluindo conflitos de interesse. A Junta de Revisão Institucional (IRB) da Johns Hopkins conduziu uma auditoria e revisão que durou mais de um ano, identificando “não conformidades sérias” como a não divulgação correta das fontes de financiamento e a participação de financiadores na equipe de pesquisa sem aprovação formal. 


Os problemas foram reportados à FDA e exigiram transparência por parte dos pesquisadores. Alguns pesquisadores reconheceram que houve falhas, destacando que doadores não deveriam conduzir pesquisas para evitar vieses ou a percepção de “pagar para jogar”. 


Apesar das tensões, houve divisão entre os pesquisadores sobre o impacto do estudo: alguns temiam a reação negativa das religiões organizadas, enquanto outros apoiavam a integração dos psicodélicos na experiência religiosa. O escrutínio evidenciou a necessidade de cautela e transparência em pesquisas que envolvem espiritualidade e substâncias psicodélicas, para manter altos padrões de integridade científica e ética.


Em 2025, alguns dos líderes que participaram do estudo começaram a criar espaços espirituais próprios para experiências com psicodélicos: a muçulmana Sughra Ahmed fundou a Ruhani, voltada para retiros com enfoque islâmico; e o judeu Kamenetz lançou o grupo Shefa, para integrar o uso de psicodélicos à tradição mística judaica. Ambos veem nas substâncias uma chance de resgatar dimensões espirituais esquecidas de suas religiões.


Alguns coautores demonstraram preocupação com as possíveis consequências do estudo, temendo que a rápida disseminação dos psicodélicos na religião organizada pudesse provocar uma reação negativa semelhante à que interrompeu pesquisas na década de 1960. O próprio psicofarmacologista Roland Griffiths, coautor do estudo, pouco antes de morrer, ressaltou a necessidade de cautela para não abalar as estruturas culturais institucionais.


Como apontou a historiadora Elaine Pagels, professora de religião em Princeton, na conclusão da reportagem, a religião organizada tende a rejeitar relatos individuais de experiências divinas, pois eles podem colocar em risco sua autoridade e funcionamento estabelecido. No entanto, ela defendeu que as tradições religiosas também precisam se renovar. “É como a arte”, ela explicou. “Nós não ficamos apenas com a arte do século 15,  as pessoas ainda estão pintando!” 

Leia a reportagem completa (em inglês), escrita pelo jornalista Michael Pollan, na New Yorker.


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